segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Petróleo em São Tomé

Sábado 11 OUT 08 , O Mundo Lusíada
São Tomé e Príncipe: todo mundo de olho
Ninguém ouve falar, mas o mundo todo está interessado no arquipélago africano, que repousa sobre um manto de 11 bilhões de barris de petróleo.
Com 151 mil habitantes distribuídos entre as duas pequenas ilhas na costa oeste africana, o arquipélago de língua portuguesa é, hoje, uma nação desconhecida. Um dos cinco países da CPLP, situado no golfo da Guiné, sob a presidência de Fradique Menezes e tendo como Primeiro-Ministro Rafael Branco, este desconhecido já representou o apogeu da expansão marítima e, hoje, tenta traduzir a herança do colonialismo europeu e suas riquezas naturais para o novo século.
Na busca por uma rota segura para as Índias, navegadores portugueses aportaram, em meados do século XV, nas ilhas de São Tomé e Príncipe. Desde o início, a corte real portuguesa se preocupou em transformar as ilhas em um entreposto comercial para os navios que se dirigiam ao Cabo da Boa Esperança, e numa ponte para o comércio entre a metrópole e suas frentes na costa africana, onde os portugueses estabeleceram feitorias desde o golfo de Guiné até a costa da Angola.
Movido por sua expansão territorial em terras africanas e americanas, no início da era de ouro da escravidão, Portugal posicionou São Tomé e Príncipe como um ponto geoestratégico na economia global da época. No final do século XVI e início do século XVII, começou a colonizar as ilhas de forma não somente a transformá-las em um local de convergência de escravos captados na África e distribuídos para a Europa e Brasil, como também a explorar a terra, desenvolvendo uma cultura de plantio baseado na cana de açúcar e, mais tarde, no café, para seguir o mesmo curso dos escravos.
Com o desenvolvimento da colônia brasileira e, finalmente, com sua independência em 1822, as ilhas de São Tomé e Príncipe não conseguiram suportar a concorrência do açúcar e do café americanos. Vendo, também, o mercado negreiro chegar ao seu fim, seus governadores e negociantes viram-se obrigados a elaborar um tratado transformando as roças nacionais em propriedades agrícolas, e a migrar seu potencial agricultor para o cultivo do cacau, que prevalece até os dias atuais e representa cerca de 96% das exportações do país. Já naquele tempo, o foco dos investimentos externos estava firmado na exploração da terra, e não no relacionamento com os indivíduos da região.
Neste ponto chegamos, então, ao que ocorreu entre os séculos XVIII e XIX. Com a revolução industrial, a economia global transitou para uma nova maneira de se construir e investir. Os pontos estratégicos que na era industrial caracterizavam um bom local para investimentos eram os seguintes: infra-estrutura básica [transporte, energia elétrica, água], mão de obra abundante e formada, produção em baixo custo, um mercado consumidor e, o ponto final, sua localização estratégica. O sistema econômico industrial possuía uma tecnologia pesada e fixa, exigindo construções que visavam uma produção de longo prazo.
Enquanto toda a economia global migrava para um novo posicionamento, a colônia africana que inicialmente se caracterizou como um local de convergência econômica e de investimentos, enfrentou o início de um período que eu chamo de Era do Esquecimento. Sentindo o peso de sua localização geográfica, e dependendo de apoio externo, São Tomé e Príncipe não conseguiu se encaixar nas características industriais. Sua vulnerabilidade e descontinuidade territorial revelaram limites intransponíveis. O custo dos transportes terrestres e marítimos, somando-se à ausência de um porto expressivo, impôs o isolamento de uma forma devastadora.
No século XX, conseguindo seguir o fluxo das mudanças no campo político internacional, com os movimentos nacionalistas, o país conquistou a independência em 1975, até chegar a ser uma República Democrática de multipartidos, em 1991. Por outro lado, o fluxo econômico seguiu inexpressivo. Por não possuir nenhuma das características exigidas pelo sistema industrial, e por não possuir um mercado consumidor expressivo, as grandes multinacionais e as marcas se esqueceram das ilhas. Com a falta de investimento e construção de uma perspectiva de futuro, STP mergulhou em uma fase de declínio econômico, chegando a possuir, hoje, a segunda maior dívida externa proporcional do mundo, que atinge uma cifra equivalente a 700% de seu PIB PerCapita.
Hoje, entretanto, vivemos em uma nova era. Transitamos daquela fase industrial para uma fase em que valoriza-se a qualidade de informação e produção de conhecimento. Estruturas fixas foram trocadas por flexíveis, as barreiras e limites geográficos foram rompidos pela interconexão das redes. A economia é criativa. STP deverá continuar com seu status “offline” para este mundo plano que se estabelece?
Talvez alguns líderes globais contemplem este cenário e cruzem os braços. Há pouco tempo, o diplomata francês, Bernard Kouchner, em entrevista sobre a questão do Tibet, definiu como se dão, hoje, as tomadas de decisão no cenário internacional: "Quando se lida com relações internacionais com países importantes como a China, obviamente são tomadas decisões econômicas à custa dos direitos humanos". Mais uma vez o indivíduo fica sem espaço. Porque investir em 150 mil pessoas se é mais lucrativo e grandioso trabalhar em locais com concentrações gigantescas de consumidores?
Eu realmente acredito que podemos e é preciso caminhar contra esta corrente. Basta pensarmos em um país que possui 55% de sua população com idade inferior a 18 anos; uma geração que só precisa de uma plataforma que a conecte com a informação e uma nova perspectiva de futuro para despertar em seu potencial criativo. Basta pensarmos em um país que, no passado, representou a conexão entre Europa, África, América e Ásia.
Hoje o arquipélago repousa sobre um manto de 11 bilhões de barris de petróleo. O EUA disponibilizaram apoio militar com alvo de proteger as fontes do ouro negro, e a Nigéria já firmou acordos comerciais com o país. Nesta corrida de aproximação, encontramos acordos políticos e econômicos vindos do Brasil, Angola, China e Taiwan, em troca de investimentos nas mais diversas áreas. Há alguns meses, a França perdoou cerca de 7,6 milhões de euro da dívida do país dívida e, seguindo o mesmo caminho, a Bélgica, cerca de 700 mil.
No momento em que o mundo volta novamente os olhos para as ilhas africanas, uma questão se coloca: iremos mais uma vez perpetuar a exploração geográfica e usar de forma descarada a mão-de-obra e a riqueza são-tomense, ou focalizaremos no indivíduo, em seu potencial e no desenvolvimento sustentável? Esta é a questão que nós precisaremos responder na segunda década deste século.
João Baptista
Do Rio de Janeiro

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